Marc Pritchard, da P&G, no Cannes Lions: “nas crises, a igualdade dá um passo para trás”

“Como maior anunciante do mundo, a P&G tem a responsabilidade de dar um passo à frente”

Há 38 anos na P&G e respondendo como Chief Brand Officer, Marc Pritchard cuida da maior verba publicitária do mundo e da construção e reputação de algumas das marcas mais importantes e icônicas de seus mercados, como Gillette, Ariel, Pampers, Pantene e tantas outras. Uma das maiores referências mundiais do marketing, muito de sua carreira foi construída pela evolução do papel das empresas com viés além do seu próprio business, o que foi absurdamente acelerado nos últimos meses graças à COVID-19. Ao Cannes Lions 2020, que acontece nesta semana de forma remota, ele deu exemplos contundentes sobre essa responsabilidade, e como isso acontece da porta para dentro.

“Os últimos 100 dias deixaram claro o que realmente importa. O papel dos negócios foi definitivamente redefinido e ficou evidente que temos a responsabilidade de nos reinventar, das empresas e marcas que focavam somente em si mesmas às que agora se levantam e, além de seu próprio crescimento, direcionam esforços para o bem de todos”, pontuou.

Pritchard revelou que 20 anos atrás, em férias com a família, encontrou um guru espiritual que lhe disse: “Espero que você saiba a diferença que você pode fazer no mundo”, como uma espécie de profecia indicando que a indústria dos negócios seria a maior força disponível para garantir o bem social. Direto para janeiro de 2020, ele contou que se sentia mais ansioso que o normal, “talvez porque tínhamos muitos planos para eventos como a CES, o Super Bowl e as Olimpíadas de Tóquio”. Até que um de seus diretores informou em 11 de março que a maioria dos funcionários da gigantesca P&G teriam que mudar radicalmente sua rotina e começar a trabalhar de casa por tempo indeterminado por causa da COVID-19.

“Quando a pandemia chegou à América, a missão ficou clara: levantar e fazer o bem. Todos nós ficamos sem escolhas que não fossem focar no que realmente importa”, enfatizou. O primeiro passo da P&G foi definir três prioridades: proteger seus funcionários; servir as pessoas ao redor do mundo com seus produtos – especialmente os de higiene e que poderiam contribuir diretamente com o controle da doença –; e, finalmente, pensar e executar formas de dar suporte às comunidades mais necessitadas.

Uma das primeiras ações, após as mudanças logística e de segurança necessárias, foi entender como turbinar a produção de produtos de primeira necessidade, especialmente em um momento em que muita gente comprou artigos além da demanda real para estocar (dá-lhe papel higiênico!). Na sequência, chegou a hora da comunicação. “Revisamos tudo para focar em apenas em mensagens que fossem realmente úteis”, destacou Pritchard.

No lugar de algumas das mais belas campanhas dos últimos anos, entraram conteúdos informativos sobre formas eficazes de lavar as mãos, como se barbear para melhorar a eficácia da máscara, cuidados com a pele após usar a máscara o dia todo e como cortar os cabelos em casa, evitando sair. Uma forma inteligente e quase neutra de impactar consumidores diretos, sendo uma empresa com tamanho portfólio de artigos nesses segmentos.

Outras ações focaram em oferecer lavagem gratuita de roupas para quem estava na linha de frente e aulas virtuais para pais de crianças, além de apoiar financeiramente e com produtos mais de 200 entidades ao redor do mundo focadas em diferentes comunidades e necessidades sociais – porém, sem tornar esse o foco de sua comunicação. “Essas pessoas são os verdadeiros heróis, trabalhando diariamente e se colocando em risco sem reconhecimento por isso. Inspirados nelas, decidimos não fazer proclamações públicas sobre nossas doações. Porque ser uma força para o bem é sobre ações, não manchetes”, definiu.

Uma das ações de comunicação realizadas no período pela P&G foi, segundo Pritchard, inspirada em um pedido do governador de Ohio, Mike DeWine, incentivando as pessoas a ficarem em casa. Daí nasceu o desafio #DistanceDance, criado pela rede de agências Grey em parceria com a influencer no TikTok Charli D’Amelio, com mais de 40 milhões de seguidores.

“Incentivando jovens e crianças a ficar a salvo em casa, decidimos que, para os primeiros três milhões de vídeos postados, a P&G iria doar produtos para famílias e pessoas em necessidade. E funcionou: até o dia de hoje, a hasghtag foi vista 16,9 bilhões de vezes, inspirando 3,4 milhões de vídeos originais. A maioria das pessoas não tinham ideia de que a P&G estava envolvida. E tudo bem”, completou.

Com a mudança drástica nos eventos e acontecimentos, a P&G aproveitou para rever toda sua verba de patrocínio no período da pandemia. Pritchard relatou que sua equipe, inspirada no novo mantra “force for good”, encontrou comunidades e causas especiais para investir os valores, citando entre elas famílias afetadas diretamente pela crise, igualdade de gêneros, público hispânico nos Estados Unidos, americanos negros e LGBTQ+.

“Durante pandemias, crises e desastres, a equidade dá um passo para trás. As pessoas que passam por maior discriminação são afetadas desproporcionalmente. Crises como a da COVID-19 revelam a rachadura que temos na sociedade”, enfatizando que este é o momento ideal para acelerar ações que buscam por igualdade. Em sua apresentação, foi veiculado o novo filme da empresa, “Choose Equal”, que reforça esse discurso e mostra situações críticas em que a desigualdade foi ampliada pela dificuldade. “Esses tempos não são sem precedentes. Mas ele nos dá outra chance para a igualdade”, diz a narração.

Em números, Pritchard relatou que 75% das pessoas na linha de frente do combate à COVID-19 são mulheres – e que são elas quem também mais perderam empregos diante da crise. Também indicou que 80% dos hispânicos que moram nos Estados Unidos possuem trabalhos que precisam ser executados fora de casa, impossibilitando o home office – lembrando que seu pai tem ascendência mexicana e que ele sabe na prática a dificuldade que essa população tem em acesso a cuidados médicos nos EUA. Em maio, a P&G iniciou o movimento “Estamos Unidos”, de apoio a essa comunidade, ilustrado pelo filme criado pelas agências Circulo Creativo USA e Alma, de origem hispânica.

Diante do gigante movimento #BlackLivesMatters, a empresa – que tem um forte histórico recente de abraçar a causa – apresentou uma peça focada na comunidade negra, “Circunstances”, informando que afroamericanos são nada menos que 340% mais propensos a perder a vida por causa do Coronavirus que os brancos, além de anunciar a criação de um fundo com US$ 5 milhões para o combate ao racismo e requentar a premiadíssima campanha “The Talk”, de 2017, criada pela BBDO NY e vencedora do Grand Prix de Film do Cannes Lions 2018.

https://youtu.be/yGFPy9YYwcs

“As pessoas estão cansadas de palavras e pronunciamentos. Elas querem saber o que as empresas e marcas estão fazendo, com ações específicas, tangíveis e sustentáveis que façam a diferença”, disse.

O que nós podemos fazer?

Sabendo que cada um de nós quer ajudar de alguma forma, Pritchard aproveitou para dar dicas daquilo que ele, pessoalmente e como líder executivo, está aplicando. “Comece estudando e aprendendo. Estude sobre a história do racismo e como ele formatou os Estados Unidos e impacta as pessoas, especialmente os negros americanos. Estude sobre como a desigualdade sistêmica foi desenvolvida e institucionalizada. Aprenda a assumir as vantagens e imunidade garantida às pessoas brancas não são reconhecidas por elas”, provocou. “É isso que queremos atingir: reflexão, introspecção, empatia e mudança para um novo caminho. Tire um tempo para conversar. Conversar leva ao entendimento, entendimento leva à empatia e empatia leva à ação”.

Outro público que não ficou de forma de sua apresentação foi o LGBTQ+, que com a chegada de junho, mês em que se celebra o Orgulho internacionalmente, ganhou o filme “The Pause”.

Pritchard finalizou reforçando que, como maior anunciante do mundo, a P&G tem a responsabilidade de dar um passo à frente. Com isso, dividiu seu “roadmap para igualdade racial” para que outras marcas possam também considerá-los e realizá-los. Ele é baseado em quatro pilares: Representatividade, garantindo uma presença plural em toda a cadeia de serviços – inclusive nas equipes de fornecedores; Investimento, tanto em parceiros externos como em companhias focadas e lideradas por negros; Branding, conduzindo uma revisão para assegurar que toda a sua comunicação garanta presença e respeito não só à comunidade negra, mas a todos; Civilidade em Conteúdo, revisando todos os sues canais de mídia, plataformas e programas, garantindo que o conteúdo que a P&G divulga segue os mesmos preceitos citados acima.

“A publicidade afeta a percepção. E nós temos a responsabilidade de assegurar que essas percepções sejam sempre precisas e respeitosas, afim de eliminar preconceitos e promover igualdade”, concluiu.

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