“Literalmente”, o termo, literalmente, corrompido pela sociedade

Há muita informação no mundo (too much information!)

Útil, inútil, isto é irrelevante para o momento…

Com tanto estímulo vindo de todos os lados, é natural que a batalha pela atenção dos conectados indivíduos tenha crescido a níveis antes inimagináveis.

Recordando uma máxima do jornalismo, “se um cachorro morde um homem, isso não é notícia; se um homem morde um cachorro, isso é notícia“. O problema? Tem poucos homens mordendo cachorros para atender a uma audiência com scroll infinito. O resultado disso: a exaltação da trivialidade, algo que me incomoda faz refletir desde este post de 2016.

Nesta busca por tornar relevante/importante algo nem tão relevante/importante assim, faz-se uso de hipérboles, expressões idiomáticas e extrapolações inadequadas; tudo para que seu post/vídeo/textão se destaque em meio a tantos outros.

Neste cenário, a linguística e as ciências humanas em geral viram nascer um movimento social que, aqui, ecoo, buscando a empatia e o engajamento (ai, esse jargão) de outros que também padeçam deste mal: a interpretação (literal?) do termo “literalmente”.

literal word wordpress

Ao buscar por referências (mais alguém deve pensar nisso), me deparei com uma ampla gama de estudos que tratam, especificamente, do papel linguístico do termo literalmente.

Fora do campo científico, em 2018, uma matéria da Revista Super Interessante contou brevemente como a humanidade vem usando este termo, a princípio erroneamente, há séculos (mais de 400 anos, como colocado pela publicação), deturpando sua função original para passar a funcionar como intensificador da veracidade (termo feliz colocado pela Ana Carolina Leonardi, que escreveu a matéria).

Esta discussão, contudo, vai além!

<Homem de Ferro>: Eu sou o Homem de Ferro, literalmente.
<Drax>: hummm

Um estudo da Universidade da Califórnia investigou, entre outras coisas, o uso social do termo ‘literalmente’, identificando diferentes semânticas que vão da fidelidade da expressão ao reforço de intensidade (hipérbole), como nos exemplos trazidos pelo livro Literalmente Falando, da Dra. Solange Coelho Vereza, da Universidade Federal Fluminense (UFF), disponibilizado gratuitamente pela universidade:

  • “Cada palavra aqui é literalmente aquilo que o homem falou.”
  • “Tínhamos literalmente um minuto para pegar o trem das doze horas.”
  • “Quando chegamos em casa, eu literalmente morri de exaustão.”
  • “Durante o campeonato, nossos olhos estavam literalmente colados na televisão.”
  • “Ele caiu literalmente a seus pés com flores e perfumes.”
  • “Nos anos 1930, curas para a depressão inundaram literalmente a cidade de Washington.”

A origem do termo – littera / letra, ou, ao pé da letra -, corrompido pelo contexto comunicacional, mistura o literal e o metafórico resultando nesta popular confusão interpretativa.

Mas, ainda que a fluidez da linguagem pelo uso corrente faça parte da evolução linguística, sou um daqueles que automaticamente leva em consideração o significado literal da palavra literalmente e, consequentemente, começa a imaginar como situações como as descritas abaixo acontecem literalmente:

literal01
Um minutinho de silêncio só, por favor?
literal02
Manchete do Diário de Pirassununga
literal03
Demora pra aceitar, mas com o tempo vai
literal04
Isso é muito Black Mirror
literal05
Isso é um pedido de socorro?
literal06
=O

Necessário um exercício de abstração, literalmente.

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