A última fatia de amor

– Alô, é da Pizzaria Itália?

– Olá! É sim. Me chamo Renata. Em que poderia ajudar?

– Oi, Renata. Eu vou querer uma pizza metade muçarela e metade nicholas, por favor.

– Desculpe, senhor. Acho que não temos esse sabor no cardápio.

– Como?

– Aqui só tem muçarela, essa nicholas não tem no cardápio, não.

– Aah, você deve ser nova aí. A pizza nicholas é uma pizza que eu sempre peço, ela não tem no cardápio mesmo, não. Eu que inventei, ela vem com quatro queijos e pepperoni em cima. Já pedi tantas vezes que acabaram dando o meu nome para a pizza. Pode falar pros meninos que eles vão entender.

– O senhor se chama Nicholas?

– Sim! Haha.

– Hahaha. Desculpe, sou a nova atendente aqui. Vou pedir pros meninos fazerem então. Mais alguma coisa?

– Não, só isso mesmo.

– Aceita coc-

– Sem coca e nem borda recheada.

– Já sabe tudo, hein?

– Haha, peço aí toda semana. Vai ser só isso mesmo.

– Fica 35 reais. Precisa de troco?

– Não, precisa não. Só avisa pro Lucas da cozinha que é pra caprichar dessa vez. Hahaha.

– Haha, vou avisar, sim, senhor.

– Obrigado, Renata!

– Eu é que agradeço. Até a próxima.

– Até.


– Alô, é a Pizzaria Itália?

– Sim! Aqui quem fala é a Renata. O que deseja?

– Oiii, Renata. É o Nicholas. Como tá o emprego? O Leonardo tá te tratando bem? Esse italiano véio pode ser um chato às vezes hahaha.

– Oi, Sr. Nicholas! Hahaha, tá tudo bem sim. Eu tô gostando, às vezes dá pra beliscar algumas pizzas.

– Nossa, que sorte, lá no meu trabalho não me dão nem café. Você devia provar essa que eu peço, aí vai entender por que só peço ela.

– Hahaha, vou pedir pros meninos fazerem pra mim aqui depois. Vai ser o mesmo, uma grande nicholas?

– Isso! Só não esquece da outra metade de muçarela.

– Aah, é mesmo. Metade muçarela e metade nicholas. Mais alguma coisa? O senhor vai precisar de troco?

– Não, precisa não. E também não precisa me chamar de senhor, tá? Pode chamar de Nicholas. Depois me conta o que achou da pizza.

– Haha, tá bom. Conto sim. Tchau, tchau.

– Tchau, Renata. Até mais.

– Até!


– Alô, Pizzaria Itália?

– Oi! É o Sr. Nicholas?

– Sou eu sim! Olha, já disse pra não me chamar de senhor… hahaha.

– Haha, verdade. E tenho que te contar: provei a pizza!

– Foi? E o que achou?

– Acho que agora só vou pedir esse sabor de pizza. Você devia criar uma pizzaria só com sabores malucos assim, sei lá.

– Hahahaha, devia mesmo. É que eu sempre gostei muito de quatro queijos, e de pepperoni também. Então por que não juntar as duas?

– É, foi isso que pensei quando comi! Fiquei imaginando quantas combinações gostosas ainda têm para serem feitas e a gente nunca vai provar. Imagina passar a vida toda sem nunca ter nem provado o seu sabor favorito de pizza. E pareceu tão simples de fazer.

– Sabe, Renata, é exatamente isso que eu acho. Às vezes a gente só precisa juntar duas coisas que a gente gosta muito e ver o que vai virar. Geralmente dá certo, com exceção de relacionamentos. Gostar muito nem sempre é tudo.

– Eu imagino, estava em um há pouco tempo, mas me dei conta logo que os ingredientes não batiam antes que fosse tarde, hahaha. Quase casamos…

– Hahahah, muito bem. Eu não dei essa sorte.

– Então vai ser a mesma de sempre, Nicholas? É uma pizza grande nicholas, sem refrigerante e sem borda, né?

– Isso! Só que a outra metade é de muçarela.

– Aah, verdade. A outra metade de muçarela. Se eu fosse você pediria uma inteira só de nicholas hahaha.

– É que a de muçarela é pra minha esposa… É o único sabor que ela gosta. Geralmente ela nem come quando eu peço, mas sempre fica muito irritada se eu não peço o sabor dela.

– Hmm, entendi. E a nicholas, ela não gosta não?

– Ela nunca quis provar, acredita? Acha besteira.

– Mentira! Sério? Não sabe o que tá perdendo então… Hahaha. Muçarela é tão sem graça, só queijo e pronto.

– Pois é, hahaha. Mas é a única que ela come.

– Só vai ser isso então? Quer troco?

– Não, não. Vou pagar no cartão.

– Ok, em 30 minutos o motoboy chega aí.

– Obrigado, Renata!

– Nada! Até a próxima, Nicholas. Boa noite.

– Até. Boa noite.


– Alô, Renata?

– Nicholas!?

– Oi, sou eu mesmo.

– Gostou da surpresa?

– Hahaha, amei! Obrigado pela sobremesa.

– Que nada. É a que eu mais gosto aqui. Você me apresentou a pizza nicholas, agora foi minha vez de te mostrar a minha favorita.

– Na hora que vi achei até que tinha chegado o pedido errado, quase devolvi. Mas aí eu vi que era a minha pizza e acho que não tem mais ninguém pedindo esse sabor por aí.

– Tem eu agora hahaha.

– Verdade! Hahaha. Muito boa a sobremesa, nunca tinha comido. Qual é o nome?

– É pizza doce mesmo. Não deram um nome. E vou te falar, é a melhor que eu já comi. Toda vez que vejo uma saindo da cozinha dá vontade de passar o dedo em cima, hahaha.

– Hahaha, só não vai colocar o dedo na minha.

– Hahaha, não! Eu tô brincando.

– Tá, vai… Na minha pizza pode. Só não deixa o Lucas encostar.

– Hahahahaha.

– Obrigado pelo presente. Foi difícil explicar aqui em casa, mas eu adorei.

– Por quê? Fala que foi cortesia.

– É que aqui tudo acaba virando motivo de briga. Então evito conversar sobre as coisas.

– Ah, relaxa. Quando eu morava com a minha família era assim também. Evitava falar pra não contrariar, mas aí você acaba guardando muita coisa dentro de você e isso acaba sendo ruim mais tarde. Um dia acaba virando o que a outra pessoa quer e não quem você é.

– Sim, às vezes é bom bater um papo. Mas sem ouvir gritos, hahaha.

– Hahahaha, sim! Por isso que arrumei esse emprego. Já tava na hora de me mudar. Parece até que meus pais encheram a minha paciência só para eu querer cair fora logo. Se foi, funcionou.

– Hahahaha. Com um tempo a convivência vai ficando difícil, não importa o quanto você ame; para a outra pessoa você acaba virando parte do cenário da vida dela. E por mais que o cenário seja aconchegante, confortável, do jeito que você queria, acaba virando previsível. O mesmo vaso de plantas, aquele mesmo tapetinho do banheiro, o mesmo jeito de dormir toda noite, as mesmas discussões. Os dois cansam dessa rotina e acabam jogando toda essa frustração um no outro. Infelizmente, já passou muito tempo e por mais que ela deteste esse cenário, essa rotina e tudo que existe nela, já é tarde para mudar. E lá fora já não é mais tão confortável quanto estar aqui dentro odiando tudo.

– Pois é.

–Falei demais, né? Foi mal.

– Hahaha, não. É que você decifrou o que acontecia lá em casa. Era exatamente isso. Meu pai, minha mãe, eu, ninguém se suportava mais. E meu chefe já tá olhando torto pra mim aqui, então vou ter que contar essa história outro dia.

– E eu vou cobrar, viu? Haha.

– Hahaha, prometo que conto. O mesmo pedido?

– Sim, por favor.

– Ok, logo logo o motoboy chega aí.

– Obrigado, Renata.

– Por nada, Nicholas. Até a próxima. Boa noite.

– Até. Boa noite!


– Alô, Rê?

– Nicholas! Como tá?

– Tô bem. E por aí, como andam as coisas na pizzaria?

– Meu deus, você tava certo: esse italiano é um chato. Hahaha.

– Hahahaha, eu disse. Eu sou cliente e já acho isso, imagino como deve ser pra quem trabalha pra ele.

– É horrível!

– Hahaha. Ah, e eu não esqueci… Você tá me devendo uma história.

– Nossa, é mesmo. Já vou avisando que não é nenhuma história boa.

– Não precisa ser. É bom tirar do peito às vezes. Quer dizer, você que disse isso. Hahaha

– Hahaha, você tá me usando contra mim mesma.

– Hahahaha.

– Enfim, o que aconteceu foi que eu ia me casar com o Sérgio, ele trabalhava com o meu pai e já conhecia a família inteira. Tava pronta pra me mudar com ele quando a gente casasse. O problema é que o Sérgio é um escroto, vivia brigando, reclamando, se achava a pessoa mais importante do relacionamento. Até os meus pais achavam ele mais importante. Eles amavam o Sérgio. Até o dia que ele me bateu. Durante muito tempo achei que ia melhorar, mas só piorava. Tive muito medo de terminar, mas se tava ruim assim no início, não tinha como ficar melhor depois. Achava que ele podia fazer alguma coisa comigo se eu terminasse com ele, mas terminei mesmo assim e continuei morando com os meus pais, o que foi outro pesadelo. Às vezes acho que só quis me casar com o Sérgio pra sair dali de dentro. Meus pais não se amam mais, só que, como não têm outro lugar pra ir, eles continuam juntos. É igualzinho o que você falou.

– Pois é, o relacionamento parece que é um sofá confortável e quando você vai ver, é um sofá feito de espinhos. E mesmo sendo desconfortável, você tem receio de levantar porque morre de medo de passar o resto da sua vida em pé, sozinho.

– Às vezes eu acho que seria melhor que eles se separassem. Mas acho que eles não conseguiriam viver sem essas brigas. É como se eles gostassem de se machucar.

– Virou parte da rotina. Um dia ele tem razão, no outro é ela que tem. No final, ninguém tem razão nenhuma.

– Mas e você. Qual é a sua história?

– Hmm, deixa eu pensar. Nem sei por onde começar, hahaha.

– Na verdade, eu vou ter que encerrar o pedido. O italiano tá me olhando feio de novo, hahaha.

– Hahaha, é melhor não arrumar problema com ele.

– Você promete contar na próxima vez?

– Sim, claro! Hahah. É isso. Boa noite, Rê.

– Não vai pedir a pizza?

– Nossa, tava quase esquecendo. Vou querer sim, hahaha.

– Não se preocupa que eu já mandei entregar aí pra você. Registrei o pedido na hora que vi que era você… hahaha.

– Hahaha, boa! Você é demais. Tchau, tchau.

– Tchauu! Boa noite.

– Boa noite!


– Pizzaria Itália, o que deseja?

– Rê?

– Não, aqui é a Pâmela. A Renata não trabalha mais aqui. O que deseja?

– Ah, não sabia que ela tinha saído.

– É uma ligação pessoal ou o senhor vai fazer um pedido?

– Não. Digo, sim, quero.

– O senhor já conhece o nosso cardápio?

– Já.

– E o que deseja?

– Pode ser uma pizza grande de muçarela.

– Só isso?

– Só.

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