Nos dias número 2 e 3 do Festival algumas narrativas se mantiveram consistentes ao longo do programa. O papo sobre “user experience” e “power of creativity” continuaram fortes, mas o que me chamou a atenção mesmo, foi o fato de termos cada vez mais presente a palavra “HUMAN” na boca dos palestrantes mais disruptivos, futurólogos e provocativos.
É aí que começa essa história de primeira infância. Mais precisamente na palestra da Sarah Hofstetter (CEO da 360i) + Jason Levine (CMO da Mondelez): Se queremos de fato produzir trabalhos criativos que possam ir além da linha da mediocridade, precisamos enxergar o mundo a nossa volta com um olhar menos viciado e mais aberto; porque com isso ganhamos 2 qualidades que ajudam muito a tirar nosso trabalho do lugar comum: Entusiasmo com o que vemos/fazemos e sobretudo a falta de medo (pode parecer controverso, pois o desconhecido é um grande gerador de medo para o ser humano; mas nesse contexto, estar aberto significa ver e fazer sem temer a queda).
Dessa forma entramos num espiral criativo interessante; a falta de medo nos deixa mais soltos para explorar possibilidades, que por sua vez nos deixam mais entusiasmados sobre o que vemos e realizamos; assim como uma criança em sua primeira infância vive nesse mundo tão vasto.
*Crédito da foto: 360i.
Ok, entendemos a importância de nossa primeira infância, mas será que é o suficiente? Isso nos leva ao nível Cannes de criatividade? Não. Darei 3 motivos a vocês.
(Sim… lá vem a tal da lista de novo. Desculpe, é quase como um vício literário.)
1.Mudar a maneira como produzimos propaganda é quase como manobrar um navio.
Essa constatação é simples de ser assimilada, porque vivemos isso diariamente. O complicado é encarar os dados dessa constatação de frente; de acordo com a IAA (International Advertising Association) 80% do trabalho que realizamos é ruim e 50% do driver de decisão dos consumidores vem de WOM (boca-a-boca). Ou seja; não estamos construindo hoje grandes conversas em torno de nossas marcas (sim, temos alguns outliers, mas eles são os 20% dessa conta). Sabemos que temos diversos níveis de convencimento até uma ideia de fato ir para a rua, mas será que ao longo da nossa rotina não perdemos a fé no elemento emocional da propaganda?
2. Normalmente usamos inspirações e benchmarks da maneira errada.
Esse ponto pra mim foi um tapa na cara (sim, planejadoras adoram um benchmark). Como podemos criar algo novo e interessante, se na maior parte do tempo (80%, pela IAA, pra ser exato) estamos apenas pegando alguma ideia ou modelo trendsetter e o trazendo para a curva mainstream/late adopters? E isso se estende também para as nossas execuções criativas, propriamente ditas; parece que todas e qualquer ideia criativa precise se apoiar em coisas que já aconteceram e que o nosso trabalho é um grande liquidificador de referências de outras propagandas. Isso faz com que os trabalhos fiquem sempre com aquela carinha conhecida, de “já vi isso antes”.
A barra do benchmark deveria ser um medidor do que queremos ultrapassar, e não uma linha de chegada.
3. Não estamos surpreendendo ninguém.
Esse terceiro ponto é muito mais a consequência dos dois acima do que um terceiro ponto independente. Mas eu quis colocá-lo aqui, pois acho importante olharmos para o nosso trabalho e perguntar a nós mesmos: Estamos surpreendendo alguém? (acreditem, não está sendo fácil pra mim também). Voltando ao papo de experiência de marca; fui surpreendido, na palestra de Tim Kobe, da eight inc, (apenas o cara que fez a loja da Apple em NY), pela informação de que estamos vivendo hoje a era do ROE (return on experience). Sabem o que isso significa? Que surpreender as pessoas não é só uma questão de mensagem, é também uma questão de formato. Nossos consumidores querem viver experiências, e apesar da alta penetração digital, estão interessados em vivenciar coisa; como por exemplo religião. Sim, de acordo com a VICE, novas gerações estão buscando espiritualidade – e sabe o que isso significa? Busca por experiência pessoal, individual e transformadora.
Concluindo…
Para fechar o raciocínio, pensar como uma criança pode não ser o suficiente para nos livrar de nossos vícios e amarras criativas, mas já é o começo da mudança. Esse resgate da essência humana se faz necessário também, pois ele dá vida à nossa maior característica e vantagem competitiva frente a qualquer inteligência artificial; é errando que se aprende. É errando que se evolui. É errando que desenvolvemos soluções inesperadas, que podem começar a quebrar a inércia desse navio gigante que tentamos manobrar. É errando que podemos começar a nos inspirar a criar algo novo (ao invés de seguir benchmarks, se tornar um benchmark). É errando que podemos nos surpreender e surpreender nosso público. É errando que vamos à diante, porque as máquinas não erram, e muitas vezes é fora da matriz que se encontra a oportunidade que tanto buscamos. Tecnologia ainda é um meio, conteúdo e criatividade ainda são os reis; então bora errar mais. Bora encarar o mundo com um olhar de primeira infância.
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